quinta-feira, junho 23, 2016

As cidades antigas

Desde cedo alimentei a curiosidade de saber como era a vida das pessoas nas cidades antigas, em que consistia viver em tais situações e contextos. Demorou muito tempo para eu encontrar algumas  obras que caracterizam a vida e constituição das cidades antigas, com argumentos fundamentados, particularmente na Grécia e na Itália. Meu interesse era saber o que efetivamente possibilitava aquela configuração social e a estruturação das relações, seus parâmetros e vínculos. Quais elementos socializadores e valorativos as antecederam? (Na época eu não formulava as questões nestes termos, mas era exatamente isso que queria saber)

Bem, depois de várias leituras sobre os processos de urbanização, questões urbanas e tudo o mais sobre cidades modernas e contemporâneas é que finalmente, depois de décadas, cheguei à literatura sobre as cidades antigas. Desde modo, minha leitura foi invertida: comecei pela parte da literatura que trata das cidades atuais e modernas. Assim, primeiro li os autores da Escola de Chicago, Castells e depois Simmel etc. 

Tudo que vi no passado sobre cidades antigas foi fruto das leituras que fiz das obras de Émile Durkheim e Max Weber, que são leituras importantíssimas sobre o fenômeno. 

O que a literatura mais especializada nesse caso me ofereceu? Pude ver como as cidades não nasceram por obra de uma evolução linear, a partir de uma elemento antecedente. Não algo como A que foi se expandindo até chegar a ser Z. As cidades foram forjadas a partir da combinação e cruzamentos de várias graus de institucionalidade e regramento sociais existente, que ao se combinarem deram existência a algo singular. Combinações, sobrevivências e inovações produziram a nova fórmula associação. Pelos textos antigos os estudiosos um após outros sinalizaram o papel da religião como elemento constituidor. O valor da crença como elemento de criação, ordenação e solidariedade. 

Em todas as cidades antigas existiu a experiência do sagrado, um deus ou deuses. Porque o sagrado já estava na família. A família enquanto instituição (regras específicas de orientação da conduta dos indivíduos pertencentes àquele grupo) nasceu por força religiosa. Cada família constituída tinha seu deus, o altar (lar) com seu fogo acesso (Veita). Cada família fazia sua oferenda, o repasto e depois partilhavam os alimentos. O culto ao antepassados, aos manes (almas dos mortos). Tudo isso no âmbito privado. Aí significativamente está o culto aos menes 

Só depois, muito tempo depois os elementos religiosos passaram a ser articulados para serem compartilhados publicamente. Sem anular o deus de cada família a associação ampliada pode ter cada vez mais ser e produzir algo em comum. A religião quando ultrapassou a família nuclear, extensa e o clã, ela sai da casa da família e passa a possuir uma casa para receber as famílias. A religião passou a ter um lar além dos lares. 

Esses arranjos e alianças foram acontecendo e dessas combinações emergiram outras vivências e experiências de sociabilidade, processos de identificação e pertencimento. A tribo já era uma organização complexa. A ordenação interna, os ritos e os símbolos já exigiam um empreendimento bem maior que a vida estritamente na família. A cidade passa a ser uma associação, um tipo de irmandade, que dispões de propriedade e órgãos.

A cidade quando aparece já traz consigo não só elementos que sobrevivem do passado, mas a potencialidade de produzir elemento de ordenação social bem mais complexos, tornando esse arranjo de vida social algo singular. Essa associação estabelece o começo e fim da sua territorialidade,  nela existe uma delimitação que localiza e sinaliza o que lhe pertence e como deve ser utilizado. Isto tem várias implicações, inclusive sobre afirma r a modalidade de participação aos seu membros ou a alguns deles. Está na origem das cidades a autonomia, i,e.: o gozo de si impor suas próprias regras e seu próprio direcionamento. 

Hoje é um desafio manter minimamente articulados nas cidades (intencionalmente estruturadas urbanisticamente): o espaço de circulação, o espaço construído e o espaço  verde. Para que isso tenha consequências como melhoria da qualidade de vida. A cidade fica sob a exigência de ter operacionalidade no que são elementos vitais.  A exigência cada vez maior de compartilhamento de espaços e serviços, a interdependência e ao mesmo tempo a  conflituosidade produzem uma pressão e uma necessidade de atualização e fortalecimentos dos espaços públicos (não necessariamente estatais). 

O grande legado das cidades antigas é que a vida associada é possível e útil fortalecendo o que é comum, o que agrega e os interesses que são comuns. 





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