quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Os limites de uma perspectiva explicativa para o crime


Há uma vasta literatura e até uma reivindicação de uma ciência do crime: Criminologia. Essa literatura volta-se a discutir qual a perspectiva e os métodos mais apropriados para se investigar o crime e/ou o criminoso (conforme a corrente) e suas conseqüências sociais e jurídicas (se inimputável ou não, qual pena e sua duração ou forma). O crime acaba ganhando um tratamento especial e sendo abordado de uma forma exclusiva. O crime, em boa parte, é tratado como um fenômeno em si. Sabe-se pelo conjunto das ciências sociais e humanas que nenhum fator pode assumir o privilégio de ser a causa principal do crime.
Pois não há crime fora ou acima de contextos culturais e históricos. Qualquer leitura do crime vai estar vinculada a um contexto no qual ele é produzido e no qual pode assumir sua condição material e simbólica. Sempre haverá uma vinculação ao contexto. Mesmo que se chegasse a uma legislação universal sobre os delitos e os crimes, isso não apagaria os traços da singularidade histórica, datando os crime no espaço e no tempo. Os esforços de unificação ou de construção de uma unicidade paradigmática esbarram na própria condição de existência do fenômeno crime, que sempre será um fenômeno de ordem social e, portanto, socialmente construído.
Enquanto fenômeno social está submetido à inevitável pluralidade de interpretações e de adoções de variáveis diferenciadas. Não pode a criminologia usufruir de um status de uma ciência quase-experimental e de possuir conceitos que gozem de um grau de aceitação tal como os da economia, da demografia ou da lingüística. A criminologia carrega a mesma herança de complexidade e limites paradigmáticos da Sociologia, situados especialmente na relação informação e teorização, constatação e conceitualização. Além disso, vigiar e punir são sempre condições de controle de uma ordem que necessita se reproduzir.
Qualquer ordem social só existe enquanto tal se for capaz de manter a regularidade de reprodução de suas relações sociais mais significativas e estruturantes. Em toda as ordem social, ao que parece, é o que nos tem mostrado a história, faz existir uma forma de controle social. O controle social é algo inerente aos arranjos de vida societal e comunitária. O direito penal não é o elemento principal e nem síntese do controle social, mas uma forma suplementar de controle. Algo que agiria para suprir falhas no controle social principal, que é sempre fruto da socialização e que decorre de mecanismos interiorizados pelos indivíduos para uso nas suas diversas interações cotidianas.
Não há indícios históricos de uma sociedade sem controle social. A utopia anarquista supõe o fim do controle pelo Estado, mas não fim de regulação, pois preconiza uma sociedade auto-regulada, auto-gestão pessoal, pauta na solidariedade e no cooperativismo. As perspectivas que apontam para a abolição do direito penal, em particular, às penas restritivas de liberdade e ao encarceramento não podem ser tomadas como sinônimos de fim do controle social, mas tão somente da extinção de um dos seus recursos. Esse recurso, por mais que possa parecer estranho é fruto da Modernidade, como forma racional, sistemática e especializada de tratar os desviantes. 
As prisões que conhecemos nascem para pôr fim aos flagelos que simbolicamente representavam a des-razão e a escuridão medieval, reforçar a crença no homem com ser racional e dono do seu destino, somados à tradição humanista. É parte do processo de passagem de uma razão de Estado para um Estado da razão. As prisões seriam para estancar a ação criminosa e recuperar o criminoso. Uma escola, ou uma oficina para consertar os indivíduos desajustados e devolvê-los à sociedade. Isso em termos ideais e de racionalização de uma ordem assume a condição de uma ideologia (no sentido de representar interesses de grupo determinados). No entanto, nenhuma ideologia sobrevive enquanto uma mentira ou simples ilusão. 
O falso ideológico reside no seu caráter performativo e na força de ocultação, mas isso não significa abdicar de todo do empírico, do fato concreto, da constatação, do juízo de realidade. Para a ideologia vai  importar é que todos estejam submetidos ao caráter performativo do discurso. Se houver elementos de realidade será bem melhor para a ideologia ter força.  Hoje o direito penal (punitivo) e seu sistema de cárcere carecem de elementos de realidade (estancar a ação criminosa e recuperar o criminoso), tornando-se ideologicamente também enfraquecido. 
As críticas e as denúncias que se proliferem têm força constatativa: a ineficiência do sistema prisional e a preferência do direito penal pelos pobres. Mas não implica um desejo social pelo fim do controle social. A ineficiência do sistema frustra os anseios sociais por segurança. Cabe lembrar que ordem social na qual esse sistema  está inserido, apresenta-se cada vez mais convulsionada por múltiplos processos nucleares e globais e por uma escala crescente da violência. Numa crise que é também do Estado enquanto instrumento de controle.

QUE AMAVA







 *
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
* o nome desse poema é quadrilha

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