Com muito pesar tenho que admitir que vejo o professor contemporâneo como personagem trágica da Pós-modernidade. Por quê? Porque é a profissão que mais é afeta pelos impulsos das transformações globais em curso! Tudo que pode haver em termos de deslocamento, fluidez, afrouxamento, descrença pública da Ciência e esvaziamento de sentido passam pela sala de aula. Não só isso: o próprio lugar e o status dessa profissão não encontram mais referências estáveis, tampouco positivadas. É um personagem cujas responsabilidades e cobranças se multiplicam, sem que haja um correlato reconhecimento dos seus serviços, sem que haja uma justa remuneração ao que lhe é cobrado.
Para ser professor, atualmente, o pretendente há que acumular um número considerável de títulos que, trocando em miúdo, implica anos e anos de cursos de graduação e pós-graduação, isto é, muito tempo de vida só para se formar. São 10 anos, no mínimo, para obter o doutorado.
No exercício de sua docência cumpre obrigatoriamente pesquisar, participar de seminários, congressos, simpósios etc. Estudar, fazer extensão, exercer curso de formação continuada, produzir e publicar artigos e fazer todos os serviços de secretaria que lhe forem atribuídos, com a implantação dos "relatórios eletrônicos, a saber, digitar nota, digitar falta, digitar conteúdo, digitar planos de aula; digitar prova, produzir aula em powerpoint, digitar texto para transparência etc. Essa carga de tarefas traz um sofrimento e desgaste que não tem como retorno reconhecimento, respeito nem ganho financeiro condicente.
No seu ambiente de trabalho é cada vez mais reduzido e destinado a uma posição secundária. Nela as relações sociais (típicas) vão assumindo formas estranhas e desfiguradas, sem que ele possa incidir sobre o curso das ações como sujeito, como produto e produtor do processo. Acaba figurando apenas como “produto”.
Ele é tragicamente arrastado e lançado nas convulsões da incerteza, das perdas de referências, na fluidez dos valores. Diante de qualquer crise educacional ele é lançado como o devedor e, portanto, o que deve ser punido!
As mãos do poder político e as mãos do mercado o aprisionam em uma pedra para ser imolado no experimentalismo e na produtividade. Os alunos, os pais dos alunos e os pedagogos o acorrentam na pedra para ser imolado pelas exigências por respostas e soluções para além de sua competência docente. Pais e pedagogos querem que ele seja deus e que tudo possa fazer, que tudo possa saber e solucionar. O pedagogo acha que sempre dispõe de uma técnica, um recurso a ser aplicado e o que falta é o professor adquirir novas habilidades e competências; portanto, o que falta é ele ser mais educador. Os pais querem que o professor, além do seu ofício, assuma as responsabilidades da família ("isto sem mencionar o que exigem da escola") e que seus filhos passem a ser pessoas maravilhosas a partir das aulas. Como se as escolas fossem substitutas das famílias.
Em todos esses olhos o professor é nitidamente desumanizado ou como deus ou ser bestial. Quando não, é fantasiado enquanto mágico. Mas nunca é percebido em sua condição humana e de cidadão, que o seu exercício profissional passa por garantias profissionais: salários, condições de trabalho, recursos etc.
Falta a percepção de que o ensino-aprendizagem implica em relações sociais e disposições de poder, onde os sujeitos: professor, alunos etc., são portadores de vontades, interesses, limitações, projetos etc. Ninguém ensina nada a quem não quer aprender.
O exercício profissional minimamente digno implica proteger o profissional de humilhações, psicológicas, materiais e simbólicas. Essa proteção simplesmente não existe e cada vez mais professores são agredidos e executados por pais de alunos ou por alunos (a escalada da violência). Reconhecer que a educação integral não se realiza só com aulas na escola é reconhecer que vários são os responsáveis pela educação do ser humano e não só o professor. Ser professor é uma profissão e deve ser tratado igualmente como profissional em deveres e direitos, respeitando-se as especificidades decorrentes desse exercício profissional.
O discurso que repetida vezes afirma que professor é pura devoção, doação... é hipócrita e demagógico. Quem vai sustentar e manter a família do professor? Como o professor vai ser competente sem ter como investir no seu aperfeiçoamento?
Arrumem outro culpado! Professor não é mágico!
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