Manifestante em Londres cobre o rosto com bandeira do Brasil |
“No curso dos tempos modernos, de vez em quando a História revela-se inexorável e errática, assustadora e fascinante. Tudo o que parecia estabelecido, quieto em sua calma, mesmo alheio e distante, de repente pode revelar-se instável, abalado, fora do lugar, estranho. A despeito de que tudo continue aonde estava, quieto em sua calma, de repente já não é mais o mesmo, Modifica-se a sua expressão, significado ou entonação”. (Octavio Ianni)
A economia mundo, fruto da intensificação das relações transcontinentais sob o impulso do capital financeiro, tem escapado do potencial da previsibilidade da Economia moderna. Pode-se dizer que essa configuração mundial da economia é uma nova espécie de rácio, tipo errático, de intensa fluidez e velocidade. Intensa em consequências e simultaneidade, essa configuração insurgente tem corroído o centro monopolizador e privilegiado da acumulação do capital.
Quem está verdadeiramente em crise são os antigos privilegiados da acumulação capitalista, cujo início do privilégiado lugar-conforto data do início da modernidade, da cultura racional e da exploração expansiva. Essa centralidade, ponto privilegiado que alguns país estão ocupando durante séculos agora tem sua ruina esboçada.
Diferentemente do período econômico impulsionado pelo capital industrial, o domínio do capital financeiro tem uma enorme capacidade de transitar, flutuar, se associar e se multiplicar artificialmente, através de fluxos, na maiorias das vezes, produzidos sem correspondente econômico materializado pelo trabalho direto, sem uma riqueza material equivalente. Valores são reproduzidos e acrescidos por convulsões emocionais compulsivas, provocada por um vício especulativo.
Os mercados passaram a ser arrastados por preços e valores que surgem de forma imediata e alcançam cifras imensas. Ações de nomes e siglas de empresas virtuais, cujo capital é só a marca, a ideia, recebem cotações altíssimas. Empresas sem patrimônio físico, bens materiais etc. valem mais do que empresas que acumularam imenso patrimônio material. Qual critério coloca essas ficções com uma avaliação gigantesca? Quais os mecanismos reais desse mercado financeiro?
O capital financeiro e as bolsas criaram um dinheiro permissivo, desnacionalizado e sem objetivos tangíveis. O mercado passa a ser permanentemente flutuante, porque não totalmente tangível em termos racionais. Retrai-se a Matemática e aprofunda-se a Psicologia: “mercado nervoso”, “surto de desconfiança”, “crise de credibilidade” etc.
O seu campo permissivo é o que mais contribui para se tornar intangível do ponto de vista ratio racional. Pois esse capital possibilita absorção e pulverização dos montantes de riquezas produzidas, conquistadas através de práticas criminosas: corrupção, tráfico de drogas, contrabandos, vários tipos de enriquecimentos ilícitos. São trilhões e trilhões que se deslocam especulativamente para dissimular sua origem. Isso provoca uma pressão sobre a contabilidade tradicional e sua base material de riqueza.
Essa riqueza ilícita e as ações especulativas não precisam de centro, de núcleos duros, mas de redes, canais de movimentação simultânea. Desta maneira, a crise é efetivamente ruidosa para os que tradicionalmente vinham ganhando no mundo moderno do capitalismo. O que é crise nos países ricos sempre foi gerido e digerido para o que até então era a mera periferia do capitalismo.
Países que formavam a massa da periferia vão se transformando em núcleos da teia da interdependência, cuja sustentação está na distribuição coletiva do peso, sob o risco de desmoronamento geral. Os novos núcleos formam tipos de alteridades. Os outros-econômicos originados na periferia do que era a periferia, sobreviveu à precariedade montante, consequente da acumulação centralizada, do velho centro massivo concentrador.
As reformas e medidas do velho centro em prol dos “excluídos” - “inclusão” impossível pela corrosão mesma do que significa o espaço de inclusão - tem sido medidas em benefício da manutenção e sustentação de seu domínio (em crise). Os “excluídos” estão dentro e são parte, mas cada vez mais afirmando-se como o diferente que escapa ao controle da hegemonia que desmorona.
A crise é dos velhos países ricos que cada vez mais veem seus mercados esgotados, maior parcela de sua população endividada e sem os recursos naturais necessários. Como o capital só respeita ao capital, a busca pelo lucro ganha mobilidade cada vez mais intensa e deixa o constante imprevisível.
A revolta de Londres não é uma mera baderna juvenil, mas sintoma da percepção da dissolução de um horizonte, cujo fardo cairá fatalmente sobre esses jovens no futuro. A baderna é do fluxo imprevisível, da lucratividade especulativa, diante da condição-mundo de escassez, ethos consumista e limitação ecológica.
Começa a tomar forma que os múltiplos núcleos podem ver-se com centros de si mesmos em uma teia que se edifica sem um centro.