A sociedade civil no Brasil (no que compreende o fechamento político promovido pelo golpe de 1964) passou por diversas fases e múltiplos processos de sociabilidade foram desencadeados, desde o choque desmobilizador promovido pelo Autoritarismo nos seus anos de maior repressão, em particular com a vigência do AI nº 5 e a proliferação da tortura e da violência estatal praticadas nos porões dos DOI-CODI’S até as manifestações de apoio à Anistia, e à volta das eleições. As formas de organização tinham passado desde os momentos primeiros do Autoritarismo, por uma reestruturação, muito do que fora o ideário das organizações à esquerda e à direita, ou os progressistas e os arcaicos tiveram grandes momentos de redefinição de seus ideários e estratégias.
Os movimentos sociais, após longos anos de confinamento e funcionamento, dissimulados dentro de outras organizações, puderam elaborar seus próprios projetos de ação. Antes todos os movimentos sociais proibidos de existir buscaram algum guarda-chuva; em alguns casos havia tantas forças abrigadas sob um mesmo guarda-chuva, mas o mesmo perdeu-se de si mesmo. Com a vigência do bipartidarismo, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) assumiu a forma de guarda-chuva político–partidário, a ponto de chegar à redemocratização totalmente multifacetada, sendo um gigante, mas sem saber ser ele mesmo. Esteve no governo, mas não dirigiu, não implantou nenhum projeto político particular. Uma crise que o entrava até hoje.
Assim, naquele momento, o partido político que assumiu, em meados da década de 1970, o papel de resistência ao regime militar, configurou-se, na década seguinte, como o instrumento das mudanças sociais reclamadas em múltiplas ocasiões pretéritas, o que estimulou novas mobilizações populares. Não se quer com isso afirmar que esse papel tenha sido efetivamente exercido. Como é do conhecimento público, ocorreu justamente o contrário, o papel renovador do PMDB esgotou-se sem que as mudanças tenham-se efetivado. (NASCIMENTO)
Outro caso se remete às CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base), CBJP (Comissão Brasileira de Justiça e Paz), CPT (Comissão Pastoral da Terra), a PO (Pastoral Operária) e ao Movimento Estudantil. Chegaram até a transição como grandes escoadouros de múltiplos anseios, abrigando projetos de vários setores.
Mesmo nos anos mais fechados a sociedade não parou de se organizar, aliás, ela foi se organizando num creste avassalador; o movimento pela Diretas-Já foi a exibição espetacular do anseio de participação nas arenas decisórias da política.
Os movimentos e diversas organizações experimentavam formas inovadoras de participação interiormente, tanto na forma de um basismo democrático como no basismo corporativista. Por outro lado, acumulavam-se anseios e demandas de toda ordem e muitos queriam ver suas necessidades respondidas e atendidas. Diga-se ainda que a Constituição de 1988 soou como o módulo salvacionista de diversos segmentos. Todos a um só tempo esperavam atingir outros patamares a partir da transformação de suas reivindicações em direito, mais precisamente em lei. O salvacionismo constitucional, que em boa parte começou a alimentar uma progressiva judicialização da política brasileira, atualmente já em patamares preocupantes.
A Carta de 1988 refletia programas defasados no tempo, porque refletia ainda as marcas de uma conjuntura que não existia mais; refletia o instante passado do seu nascimento sem se dar conta que o tempo, o contexto e a conjuntura apontavam para outras direções e com efeitos diferenciados. Muitos até então não experimentados. Abriu-se a janela da Democracia, mas as pessoas não perceberam as alterações da paisagem; continuaram vendo aquilo a que estavam acostumadas a ver e não o que realmente aparecia diante dos seus olhos.
Uma infinidade de matérias acabou sendo constitucionalizada. A Constituição passou a tratar de quase tudo e ficou um megatexto com inúmeras questões em aberto, na dependência das tais leis complementares. Nisso se deixou de lado as questões fundamentais sem detalhamentos necessários para a reestruturação e organização do Estado, para dar maior capacidade de gestão e administração da coisa pública.
A Constituição tornou em gigante o texto de direitos, mas muitos sem viabilidade. A Constituição cidadã se perdeu em generalidades sem referendar os mecanismos de execução e controles necessários para o desenvolvimento de políticas essencialmente voltadas para a garantia da melhoria de vida e políticas sociais de valorização da cidadania, a par de que houve crescente movimento de democratização do cotidiano do cidadão.
Ao abrir-se para a Democracia Representativa, os elementos de concorrência eleitoral, os partidos, assumiram grande significado no processo de disputa, precisando cada vez ampliar a suas formas de captação de voto de participação na competição. Inicia-se um jogo, que, carente de atualizações de suas regras e carregado de vícios, se tornou cada vez mais acéfalo e inorgânico. Os movimentos, que até então vinham ganhando força, passam cada vez mais sendo domesticados pela lógica eleitoral partidária e cada vez mais fazendo definhar as experiências inovadoras elaboradas durante a Repressão.
Em geral, no Brasil pós-1985, os partidos não lograram êxito na tarefa de moldagem da coesão social, porque não souberam assumir a condição de legítimos gestores dos inúmeros interesses sociais que, em grande parte, eram contraditórios entre si. Por sua vez, o interesse partidário eleitoral e sua lógica de competição foram engessando e instrumentalizando diversas outras forças políticas sociais a exemplo dos sindicatos, associações de moradores, movimentos populares etc. Elas passaram de uma condição autônoma a uma condição de aparelhadas. O cupulismo, modelo típico de partidos de quadro (ou do fenômeno de oligarquia partidária), e a solidificação da participação meramente corporativa inviabilizaram que novas sociabilidades fossem transferidas para o cotidiano da vida do cidadão. Não serviram como bases de uma Educação Política mais ampla, pública. Para um maior desenvolvimento sobre as tensões entre estruturas e interesses no interior dos partidos, assim como a sua organização interna conforme Baudouin.
Hoje,29/06/2011, a TV Senado transmitiu sessão de trabalho da Comissão Constituição e Justiça, que tinha como pauta a proposta de pôr fim na prática de coligação nas eleições proporcionais. Teve destaque a bizarrice e incoerência de governistas, oposição, esquerda e direita.
1- Soou estranho algumas afirmações do Senador Inácio Arruda – PC do B/CE: “Devemos tirar a moralidade da política. Devemos tratar o assunto político”; “A minha liberdade de escolher”; “Isso é contra o pluralismo político.”
O senador comunista estava criticando os que defendiam o fim das coligações e apontaram a prática de coligação como um comércio e, portanto, um elemento nocivo ao nosso sistema partidário/eleitoral. A ciência política busca, enquanto ciência não ser valorativa, mas a Política não pode ser esvaziada de valores, não em Estado Democrático de Direito. Fim de coligação não acaba com o pluralismo e a participação das minorias, as eleições proporcionais já é uma garantia do pluralismo, a proposta não do fim de coligação não impede a criação de novas legendas nem a participação das pequenas legendas. Quanto a questão da liberdade de escolher na forma empregada pelo senador é contrária a ideia de conteúdo programático e identificação ideológica. Outros senadores, entre eles Demóstenes, questionaram coligação feita do PC do B com o DEM em eleições proporcionais. Estranho a forma de liberdade individualizada exposta pelo senador Inácio, pois é tipicamente do Liberalismo. O PC do B não é nanico e muito menos um partido sem capacidade competitiva. Não reconhecer a existência de siglas de aluguel, que forma um mercado corrosivo a ética político/partidária e à Democracia, não está em sintonia com a tradição crítica do PC do B. Não combater essa prática de coligações de casuísmo, sem identidade programática e ideológica destoa da trajetória em prol da ampliação da Democracia no Brasil.
2- Não menos estranhas foram as afirmações do senador Humberto Costa – PT/PE: “Eu vou votar contra, mas sou a favor”. “Não podemos nos guiar pelo senso comum”.
Primeiro, o senador disse que o partido não tinha ainda posição sobre o tema do fim da coligação, em seguida disse que era a favor, mas ia ser contra. Também disse não entender os motivos do PC do B não ter evoluído nessa questão, mas ia votar com o PC do B. Ninguém entendeu. Vários sorrisos. Quando chegou no momento do item consulta popular para saber se a população aceitava ou não as propostas da reforma política, o senador Humberto surpreendeu a todos quando criticou duramente a possibilidade de um plebiscito sobre as mudanças. Para o senador, os senadores não devem se guiar pelo senso comum, o senso comum, entenda, é a vontade popular, originário da soberania em qualquer democracia. Traduzindo: o povo não sabe o que quer e só os iluminados, em uma sala fechada, sabem o que é melhor para o país. Isto é, a opinião pública não importa e mecanismos de participação direta não devem ser usados. Pois é, o senador do PT se uniu ao senador Demóstenes Torres – DEM/GO.
3- Demóstenes Torres – DEM/GO: “Plebiscito é quando tem uma matéria relevante”; “Não podemos abrir mão de legislar”.
Torres foi coerente com a trajetória reacionária do DEM, que confunde Liberalismo com boçalidade, reacionarismo e aversão à participação popular. Vejamos: as eleições e suas regras estão intimamente ligadas à soberania popular nas democracias representativas; como as mudanças nas regras de disputa e de acesso ao poder político não são de relevância? Como os parlamentares vão perder sua atribuição de legislar usando um dispositivo previsto na Constituição? Consulta popular está previsto na Constituição de 1988 e teve baixo uso até agora. Absurdo.
Preocupa o produto final desses textos, principalmente quando o que se diz esquerda fica sincronizado com a direita, em um pacto nada democrático e muito menos republicano, limitando o debate e as questões ao interesse particularíssimo da sigla partidária isoladamente. O que foi exposto pela TV Senado evidenciou as fraturas esquerda/direita e oposição/governo são móveis e extremamente reconciliáveis nesse território Brasil.
Triste ver, em momentos de democracia, os setores ditos progressistas não pressionarem no sentido de ampliação democrática, aperfeiçoamento dos mecanismos de participação popular, solidificação da transparência e de eleições com igualdade competitiva e lisura. Cadê Res publica e a Democracia?