Foto: Francisco Araujo |
Marcelo Barros*
A morte de Décio Sá, para muito
além do ato de covardia perpetrado contra sua pessoa, e que deve ser objeto da
mais rígida apuração pelos organismos que tem como função dar segurança à
sociedade (na qual incluo, além da Polícia, o Ministério Público e a Magistratura),
motivou um debate bastante intenso sobre os limites do jornalismo enquanto um
discurso que se publiciza para a sociedade e, como não poderia deixar de ser,
forma opinião.
Creio que não há imparcialidade
em nenhum lugar, nem mesmo nas pesquisas que pretendemos, no meio acadêmico, ver
revestidas de maior objetividade e isenção, através da aplicação de complexos
métodos, buscando ora afastar o pesquisador de seu objeto, ora aproximá-lo.
Na atividade jornalística, por
certo, também há seus métodos de busca das informações e uma ética no
tratamento das mesmas, sendo que o jornalista deveria, idealmente, também, ao
sintetizar suas informações como notícia, se abster de emitir seus juízos de
valor, éticos e morais, próprios, dando lugar ao que sua investigação realmente
trouxe a lume.
Como na atividade de pesquisa a
escolha do objeto e os pressupostos a serem estudados (comprovados) já
consistem em posicionamento ideológico, a pauta no jornalismo da mesma forma
também consiste em posicionamento eminentemente ideológico.
Não vamos ver o jornal da Mirante
pautando as inúmeras compras realizadas com dispensa de licitação da Secretaria
de Saúde do Estado, mas também não se verá o Pequeno tratando de assuntos
delicados em relação ao Município de São Luís. O primeiro é Roseana e o segundo
é Castelo. Ponto final.
Me acostumei a ler todas as
notícias que chegavam a meu alcance, me resignando a fazer meu próprio crivo
sobre as mesmas, razão pela qual sempre li Décio Sá, mesmo sabendo que ele
tinha lado, que defendia aqueles que lhe propiciavam a necessária subsistência.
Mas, justiça seja feita, Décio Sá era muito bom, tinha uma rede de contatos
excepcional e trazia aos que o liam informações preciosas, a que poucos
jornalistas tinham acesso.
Como ele tratava também dos
interesses inconciliáveis dentro do próprio clã e de seus aliados, era
interessante, para mim, saber destas nuances que ele expunha com muita
propriedade, às vezes desnudando práticas nada éticas internas do grupo.
Também, através de seu discurso, dava para perceber os movimentos ideológicos
dentro do grupo, suas estratégias políticas, quem os preocupava etc.
Faço tais considerações por achar
que não consigo perceber em tal jornalismo algo nefasto em si mesmo, até pelo
fato de que Décio jamais escondeu sua filiação ideológica, sendo que várias
vezes vi comentários indignados em seu blog de pessoas que lhe perguntavam se
ele não postaria algo sobre tal ou qual mazela do grupo ao qual pertencia.
Por certo, jamais postaria algo
assim, vez que não era de “seu” interesse. O discurso é sempre ideológico, seja
de que lado for. Há problemas, falhas e erros em toda ação política. Ao
proferir qualquer discurso, crivamos, sempre, o que não é bom, para que
possamos tornar público aquilo que é bom, que possa reafirmar nossa ideologia
perante aqueles que são destinatários de tal discurso.
Ao ler o Estado, o Pequeno ou o
Imparcial, sei bem quais as linhas ideológicas que os mesmos seguem, e, até, os
interesses que cada um busca, sutilmente por vezes, resguardar. Nenhum é isento
ideologicamente. Silenciam e bradam consoante os interesses que defendem, ou, aos
quais, circunstancialmente, se aliam.
Quanto aos “gorilas diplomados”,
não considero os jornalistas que defendem posições de grupos políticos dessa
forma, vez que a relação, a meu ver, é de profunda submissão. Para além dessa
compreensão, e muito mais séria, a relação é de profissionais que são
“utilizados” por aqueles que estão imbricados nas redes de poder, muito antes
de exporem seus próprios juízos de valor sobre os fatos. O jornalista que assim
age, defendendo, visceralmente, interesses que não são os seus próprios, mesmo
que em busca de sua subsistência, corre o risco de se indispor com pessoas
inescrupulosas. Compra uma briga, que, em verdade, não é sua.
Quanto ao jornalismo sobre o tema
política, sobre este assunto especificamente, acho que não há qualquer órgão de
imprensa neutro. Se filiam, todos, ocasionalmente, a grupos políticos ou
discursos ideológicos, sempre pautando discussões que sejam do seu interesse.
Logicamente, não podem se furtar de noticiar sobre a ordem do dia, as que não
tenham estabelecido, mas acham sempre o “jeito certo” de minimizar fatos e
omitir opiniões desfavoráveis.
Não considero, por fim, que
Pedrosa tenha se posicionado, em essência, de forma preconceituosa, e até acho
que sua fundamentação é bastante consistente, razão pela qual concordo com sua
leitura da função jornalística, mas com as ressalvas que fiz acima. O erro, a
meu ver, foi o termo “gorilas diplomados”. Não fosse tal termo e seu artigo
seria somente mais um, expressando uma opinião coerente e, por certo, bem
fundamentada.
Em suma, o que percebo em tal
questão não difere essencialmente do pensamento de Pedrosa, mas somente não
acredito em posições jornalísticas que se queiram acima do bem e do mal, em
discursos que não sejam perpassados pelo componente ideológico, em atos eivados
de imparcialidade, vez que considero o jornalismo somente mais uma esfera do
discurso ideológico. Esta é a luta ideológica, da qual fazemos parte, sem
qualquer isenção, seja na direita, centro ou esquerda.
Acredito no ser humano, no homo sapiens, que busca o reconhecimento
de seus pares, imageticamente em sua busca pelo domínio territorial através da
força, bem instintivo, e como ser de linguagem, através da imposição de seu
discurso.
Fosse assim e os Magistrados
cumpririam, em sua totalidade, sua função de distribuir justiça, mas, como
seres humanos que são, criados em ambientes socialmente determinados, não raro
obnubilados pela visão das classes dominantes, não conseguem, muitos, apesar do
imaculado lócus do qual proferem suas
decisões, que se quer ideologicamente neutro, perceber o liame existente entre
distribuir justiça ou exarar posicionamentos ideológicos.
Inobstante meu posicionamento,
acho que os jornalistas precisam realmente discutir este tema, vez que a eles
isto interessa sobremaneira, inclusive pela exposição a que eventualmente são
submetidos. Quanto a questões éticas da profissão, confesso que não as conheço
em profundidade e me eximo de emitir, neste momento, juízo de valor quanto a
isso, mas, acho que o debate talvez tenha como ponto central o pressuposto de
que há ideologia no discurso jornalístico, não raro servem a interesses de
classe e que tal filiação não é incongruente com a prática jornalística. O que
não pode haver na atividade, a meu ver, é hipocrisia (não assumir que tem lado)
e mentira.
Quanto a Décio Sá, a certeza, que
é minha, de que exerceu a atividade jornalística de forma brilhante, por certo
com alguns equívocos (principalmente quando entrava na esfera privada de
algumas pessoas), mesmo que eu não concordasse com seus posicionamentos
políticos em defesa do grupo político que governa o Maranhão por quase meio
século.
Em relação a Pedrosa, meu
reconhecimento como cidadão preocupado com uma sociedade mais livre, justa e
democrática, que o considero, sem qualquer preconceito que possa lhe ser
impingido, vez que pessoa que sempre lutou, além de tudo, pela igualdade entre
os socialmente desiguais.
* Advogado e Cientista Social.