Muitos esforços intelectuais já foram feitos para explicar as origens do totalitarismo, mas sempre resta um furo, um questionável espanto. O que mais potencializou o totalitarismo como espanto foi e ainda é, no nosso modesto entendimento, o local de origem, isto é, ONDE ele se originou. O espanto EGOcêntrico, o sujeito que tem dificuldade de olhar seu rosto no espelho e tão pouco é capaz de suportar a sua imagem interior. A EUROPA que, no ápice de sua supremacia mundial, pôde justificar todas suas formas de violências praticadas recorrendo às ideologias da superioridade cultural e civilizatória em relação aos demais povos do Mundo, especialmente contra os povos das Américas e África.
A violência e o horror praticados para fora do seu continente eram facilmente digeridos diante da fé que os outros eram selvagens, bárbaros, bestiais ou, simplesmente, hereges. Bastava pensar que era um mal necessário as chacinas no Novo Mundo e África, pois tais seres ainda estavam em um estágio inferior da evolução humana. As sangrentas guerras intestinas sempre se legitimaram na honra e, em boa parte, serviram de moeda no mundo dos cavaleiros e dos feudos.
O mundo moderno surgiu como a concretização evolutiva civilizatória, sob a áurea da imaculada racionalidade. Pois foi nesse mundo iluminado que germinou a mais furiosa flor do mal: o totalitarismo nazista. A violência esteticamente sistematizada, ensaiada e propagandiada. Uma racionalidade instrumentalmente a serviço da violência e do horror. Porém, o mais agravante é que os frutos da furiosa flor do mal vingaram, sua polpa se inseriu no mais profundo do tecido civilizatório ocidental. O horror e a cultura fascista conseguiram sobreviver mesmo com o fim dos Estados e regimes nazistas e fascistas. Para Félix Guatarri o fascismo em todas as suas formas sobrevive no micro poder, nessas territorialidades como a família, a escola e o partido. O partido, por já ser vulnerável à produção de oligarquias, tem sido uma morada fértil de fascismo no mundo das democracias representativas/eleitorais.
No mundo das democracias e, principalmente, das novas democracias o fascismo jorra no interior dos partidos, sob as formas mais diversas e constrangedoras possíveis, atitudes que vão dos insultos diários aos bizarros atos de DESFILIAR correligionários na calada da noite. Tudo isso faz o sorriso de Hitler sobreviver entre nós!
Chico,
ResponderExcluirTalvez a maior perplexidade que o totalitarismo causa a nós, que estamos a uma distância "segura" dele (pelo transcurso do tempo e pelo movimento dos mares da história, mas não estou tão certo se do ponto de vista da possibilidade de nos engolfar, ante o cenário de descrédito institucional que estamos vivendo - de onde ele efetivamente nasce), é o aspecto descrito por Hannah Arendt no livro Eichmann em Jerusalém, o da banalização do mal.
O mal como uma tarefa a cumprir (no jargão atual, como meta a alcançar), sem que o "funcionário" tenha qualquer drama de consciência - o dever corriqueiro, o afazer cotidiano. Enquanto issso os trens viajavam carregados de judeus, comunistas, ciganos, homossexuais para morrer nas câmaras de gás de Treblinka, Dachau e Auscwitz.
Acho que a nossa cultura da objetividade extrema, da "produtividade" como um fim e não um meio, é perigosamente propícia a absorver essas idéias.
O homem, como se sabe, nem sempre absorve as lições que a história lhe ensina (muitas vezes de forma dolorosa) e adora repetir os mesmos erros.
Abração!!!!
Caro Érico,
ResponderExcluirArendt faz sucessivas investidas sobre um fenônemo que só tem crescido: a violência. Não só nessa obra sobre o julgamento de Eichmann. mas também em Entre o Passado e o futuro, Sobre a violência etc... Ela tem o mérito de rompe com o consenso de que a violência é natural, para isso faz uma distinção didática entre o que é vigor, força, violência e poder... Com isso deixa claro que a violência traz uma certa racionalidade, que é instrumental "uma tarefa a cumprir". Guatarri fala de um momento bem posterior ao dela... fala da pós-falência dos regimes totalitários... fala da permanência consciente e inconsciente do fascismo na micropolíticas...
Enfim, são várias as formas e possibilidades de fazer um inquérito sobre o horror... Nem preciso dizer dizer que seu comentário é para lá de oportuno e consistente.... Obrigado!