TEXTO de Frederico Vasconcelos. ORIGINALMENTE PUBLICADO EM:
A Defensoria e o monopólio da pobreza
POR FREDERICO VASCONCELOS
Sob o título “Pela Constituição Federal, assistência jurídica não é atividade privativa do Estado”, o artigo a seguir é de autoria de André Luis Melo, promotor de Justiça em Minas Gerais.
O lobby no Ministério da Justiça e na Secretaria de Reforma do Judiciário acaba focando no sentido de que Estado teria monopólio da assistência jurídica, e curiosamente excluem os Municípios deste conceito de Estado.
O pobre tornou-se invisível no conceito da Secretaria de Reforma do Judiciário, nem mesmo há um critério objetivo para defini-lo. Não há interesse em discutir como no país que alega-se ter excesso de advogados, possa alegar-se que há falta de assistência jurídica.
Em razão da ideologia estatizante que vigora nos últimos dez anos no Governo Federal não há espaço para que o Estado estimule e regule a prestação pela iniciativa privada, ou seja, lobby de sindicatos de servidores públicos conseguem vender a sua posição de que o Estado deve prestar diretamente o serviço de assistência jurídica e com exclusividade. Neste modelo de “super-advogados’ que nem querem ser inscritos na OAB, acaba-se por substituírem os pobres e não assistirem (assessorarem) os pobres.
Nos termos do art. 5º, da Constituição Federal destaca-se que a atividade do Estado é complementar à iniciativa privada e deve comprovar a carência, mas nada disso tem sido feito:
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Nesse sentido, destaca-se ainda a função da Defensoria na constituição Federal:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV
Observa-se que a atuação da Defensoria deve dar-se nos termos do art. 5º, LXXIV, ou seja, assistência jurídica e comprovando a carência econômica. Não é atividade de fiscalização, nem de tutela de pobre, mas de assessoria jurídica.
Outro ponto é que a Constituição Federal não definiu como atividade privativa do Estado a assistência jurídica, nem como atividade exclusiva da Defensoria. Este é o grande erro do Governo Federal, pois a Defensoria é o mínimo e não o máximo que se pode ter.
O Governo, além de estimular formas de iniciativa privada para atendimento como o abatimento no Imposto de Renda das despesas com advogados, também pode ter outros órgãos dentro do próprio Estado prestando assistência jurídica além da Defensoria. O Estado deveria ter vários legitimados para prestar assistência jurídica, além de incentivar a iniciativa privada.
É como o caso da Ação Civil Pública tanto a Defensoria, como o Ministério Público, como outros órgãos do Estado podem ajuizar esta ação. O estranho é que há uma discussão enorme no caso da ação civil pública, a qual tem mais de dez legitimados, e nada se discute sobre a assistência jurídica aos pobres que teria apenas um legitimado (a Defensoria).
Nem mesmo há preocupação em definir o que seria pobre para fins de assistência jurídica, tudo vira mera retórica para justificar o controle de um mercado bilionário que o Estado paga. Em São Paulo em 2011 a Defensoria recebeu 200 milhões e os advogados dativos ficaram com 300 milhões, mas em nenhum dos dois modelos comprovou-se a carência das pessoas, nem os resultados obtidos.
Cria-se uma espécie de duopólio de pobre em que se disputa poder e verba pública. Mas, por qual motivo o Governo Federal não permite à classe média abater a despesa de advogado no imposto de renda, o que fica muito mais barato do que manter uma estrutura de servidores públicos que estão atendendo até classe média. No abatimento no imposto de renda haveria até maior direito de escolha por parte do usuário.
Em nenhum processo que atua a Defensoria há comprovação, nos autos, da carência econômica. Não se pode imaginar fé pública, afinal é um programa assistencial e como tal tem que se comprovar a renda ou outro fundamento.
Seria como se o Governo criasse um campeonato de futebol para os carentes jogarem e “técnicos da classe média” prestariam assistência, mas no meio do jogo, estes assistentes retiram os pobres do campo e começam a jogar no lugar deles, pois isto ”protege melhor” os carentes. Além disso, não dão direito de escolha aos pobres, não existem outras alternativas.
Chegamos ao absurdo de uma ação da Defensoria para proibir um Município em Mato Grosso de prestar assistência jurídica aos carentes, o qual nem é sede de Comarca, e nada se falou, ninguém criticou, todo mundo aparentemente achou normal.
Qualquer proposta no Legislativo Federal de descentralizar a assistência jurídica é duramente atacada por lobbys e até com o apoio de órgãos do Governo Federal, tudo para se ter controle total sobre a pobreza.
É essencial que os Municípios também sejam obrigados a prestarem assistência jurídica, pois é como serviço de assistência à saúde, assistência social, ou seja é serviço de assistência pública previsto no art. 23, II, da CF. Mas, o lobby da máquina do Governo Federal é tão grande que hoje é comum confundir o serviço de assistência jurídica com a Instituição Defensoria Pública, seria o mesmo que confundir o “serviço de segurança pública” com a “Instituição Polícia”.
O mais curioso é que o Governo criou até sistema nacional de segurança pública, mas não cria o sistema nacional de assistência jurídica. O Governo Federal nunca afirmou que polícia é “senhora do sistema de segurança pública”, mas o Secretário de Reforma do Judiciário alegou em entrevista ao “Conjur” que a Defensoria é “senhora do pobres”.
Toda a máquina publicitária do Governo Federal é usada para vender esta noção de monopólio de pobreza como se fosse o mais nobre dos altruísmos.
O Ministério da Justiça não tem como intenção criar uma rede de assistência jurídica para o carente escolher. No entanto, existem outros segmentos que prestam assistência jurídica, como as Faculdades de Direito, os Municípios, as ONGs e outros setores. Pode-se até mesmo discutir a legalidade da tabela de honorários da OAB, a qual já foi considerada como cartel pela Secretaria de Direito Econômico e aguarda julgamento pelo CADE.
Na lógica da Secretaria de Reforma do Judiciário pobre tem dono, ou seja, é uma espécie de objeto, não é sujeito, pois não tem escolha, nem é identificável.
A Secretaria de Reforma do Judiciário até sinalizou uma possibilidade com uma possibilidade de criar uma rede de assistência jurídica, mas alega que a Defensoria seria “senhora do sistema”. Ora, algum órgão público é “senhor da segurança pública”? Algum órgão público é “senhor do consumidor ou do sistema de proteção“?
A assistência jurídica aos carentes pelo Estado é relevante, mas deve ser exercida complementarmente pelo Estado. Afinal, a figura do “Estado acusando” e “Estado defendendo” deve ser a exceção e não a regra, como se quer. Cumpre ressaltar que o número de presos aumentou de 300 mil em 2002 para 500 mil em 2012, e esta situação de Estado nas duas polaridades acaba por contribuir para esta situação.
A Defensoria exerce um importante papel na assistência jurídica, mas vem atuando como uma espécie de fiscal e até acusação em muitos casos, como pedindo mandados de busca, prisão, acusando, e em nome próprio, ou seja, não mais assessora o cliente (o pobre assistido foi substituído).
Na verdade, há uma disputa enorme por quem vai ser o dono das verbas destinadas aos pobres. Seria como se alegassem que a solução para o SUS fosse criar uma carreira de super médicos com autonomia financeira e poder para dar ordens nas pessoas para tratarem.
Aparentemente, a Secretaria de Reforma do Judiciário, pode-se afirmar por analogia, confunde médico do SUS com médico da Vigilância Sanitária. O médico do SUS presta apenas assistência médica, não tem poder de polícia, não dá ordens. Já o médico da vigilância sanitária tem poder de polícia, atividade punitiva, portanto é atividade privativa do Estado.
No tocante à assistência jurídica a Secretaria de Reforma do Judiciário segue uma linha ideológica de que atende apenas ao corporativismo do médico e não ao paciente. Nem se preocupam em definir quem seria o pobre. Pior ainda nos processos não se comprova a carência dos pobres, e há casos, não tão raros, de pessoas que poderiam pagar advogados.
Medidas importantes como os CRAS prestarem assistência jurídica nem são discutidas. Todo o debate na Secretaria de Reforma do Judiciário é no sentido de monopólio da pobreza. Eventualmente, alegam que apóiam alguma iniciativa como a advocacia probono, mas nada fazem de efetivo para regular e estimular esta iniciativa. Nem mesmo ousam discutir atos administrativos da OAB que dificultam o acesso ao advogado.
Não há interesse, por exemplo, em fazer uma pesquisa para definir se os pobres ou presos do Rio de Janeiro (com Defensoria) estariam melhores ou piores que os presos e pobres em Santa Catarina (modelo de advocacia dativa). Outro problema, o número de presos condenados aumentou, mas quem fez a defesa destes presos? A Advocacia pública ou a privada?
O lobby no Governo Federal age como dono de laboratório farmacêutico e tenta vender que a única salvação para os pobres é que a Defensoria os atenda, e assim terão direito a tudo.
Por fim, no discurso alega o Secretário da Reforma do Judiciário que a Reforma do Judiciário tem que atender os pobres, mas na prática as medidas da Secretaria de Reforma do Judiciário cria a figura dos “dono dos pobres e com monopólio”, algo que não existem em nenhum país do mundo.
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