segunda-feira, março 12, 2012

POLIGAMIA CONSENSUAL - ISSO NÃO É UM TEXTO JURÍDICO NEM QUER SER.


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Código Penal Brasileiro em vigor. Título VII - crimes contra a família, Capítulo I: dos crimes contra o casamento.

O Código Penal Brasileiro (CPB) há tempos está desconfigurado por sucessivos recortes de legislações posteriores. Soam notícias que paira sobre nós um projeto de Novo código penal. Tudo que se anuncia como novo no Brasil tem os nervos, as carnes e o sangue da velhice. Pior que a velhice, da deterioração.

Esse Código guarda uma pedra de imolação sobre o quesito Família. É isso mesmo. O  CPB traz no seu título VII a invocação dos crimes contra a família. Não só isso, o capítulo I resolve enveredar pelo casamento. Pois bem, até onde, do ponto de vista antropológico, sociológico e de outros lógicos, a família está presa a casamento? A existência de família é historicamente anterior ao casamento. Também é anterior ao casamento o elo afetivo, o conjugar amoroso.

Então temos de perguntar em que medida o CPB defende realmente a família? O que verdadeiramente é nefasto à condição familiar em específico? O que há de criminalmente culpável contra a família? Será mesmo matéria penal?

O CPB está, nesse particular, defeituoso diante das normas-princípios e das demais normas-regras.

O CPB, em todo seu percurso normativo criminalizador em torno da defesa da família, tem um alvo preferencial: a bigamia (ou a poligamia).

No mais, tudo que esse estatuto trata sobre defesa de casamento não tem mais razão de ser, e todos os prejuízos e danos produzidos por ações fraudulentas para contrair matrimônio podem ser recepcionados ou inseridas no atual título I do CPB, dos crimes contra a pessoa, capítulo V, dos crimes contra a honra. Basta que sejam caracterizados como crimes contra a honra e sobre eles recaiam penas de multas e indenizatórias. As indenizatórias seriam por danos morais às vítimas, em particular, e as multas, aplicadas de forma independente, para indenizar a sociedade como um todo, cabendo ao Estado a apropriação da importância monetária, além recair, sobre o autor do ato, a pena de prestação de serviços comunitários.

A Constituição Federal é taxativa em afirmar a dimensão civil do casamento (art. 226, §1º), o que muito bem pode ser estendido como resguardo da vida privado e proteção contra a estatização da vida. A norma-regra poderia assumir a condição de defesa da vida afetiva privada. Nesse mesmo artigo, no §3º (união estável), a norma maior reconhece a pluralidade conjugal para além do casamento. Não só isso, a legislação aceita essa variação como formadora de entidade familiar.

É pertinente ressaltar que o Estado já admite a condição homoparental. Ora, com isso acaba admitindo mais uma modalidade de comunidade familiar que nasce de uma modalidade diferenciada de casamento: a união civil. Essa tendência tende à resguardar o caráter privado das opções afetivas. Isto é, espaço protegido da ação estatal.

O parágrafo sétimo, do artigo duzentos e vinte e seis, da CF/88 também assegura a liberdade da comunidade familiar quanto ao seu planejamento. Afirmando, dessa maneira, a dimensão privada das opções do casal.

No tocante à segurança e à proteção, o §7º, do artigo 226, da CF/88 elege como fundamento princípios da dignidade humana. Marco que explicitamente busca resguardar a integridade dos indivíduos imersos em relações conjugais, afetivas e parentais. No mesmo artigo o §8º enfaticamente se contrapõe às práticas de violência no âmbito dessas relações.
Por outro, o adultério deixou de ser crime, isso implica dizer que o casamento não é fundado na exclusividade sexual. O sexo exclusivamente com o cônjuge como falta deixou de ser da esfera estatal e passou a ser uma questão privada  da pactualidade do casal. A exclusividade sexual passou a ser um fato de viés meramente afetivo da responsabilidade íntima. Cabe ao casal definir o grau de proibição ou de permissividade de tal prática.

Ora, se o fundamento patrimonial e biológico perdeu a condição de referencial para tipificar a família no texto constitucional e nas normas-regras; se o Estado admite a variedade de entidade familiar e de união afetiva/conjugal; se a regulação da exclusividade sexual ficou restrita à intimidade pactual do casal; se o Estado admite entidade familiar sem casamento; se inexiste o filho ilegítimo e há toda uma legislação de proteção ao menor; se toda modalidade de união é resguardado o direito de herança e sucessão, além de pensão alimentícia... qual seria o real valor da criminalização da poligamia? Proteger as mulheres? Proteger a prole? Ou é de cunho não laico?

O Estado já reconheceu a dimensão privada, particular e íntima de relações e comunidades afetivas. Toda a prole já se encontra resguarda nas normas-regras, idem as mulheres. O casamento é firmado como civil, entende-se também laico. O casamento de caráter religioso é reconhecido, mas não é estatal. O casamento religioso é dimensão da normatividade religiosa e das convicções de fé.

A poligamia não pode ser mais criminalizada, não pode constar como crime, se for fruto da decisão e opção das partes. Isso é do campo privado das opções dos indivíduos e não cabe o Estado, muito menos sua dimensão PENAL repressiva.

O casamento deve ser reafirmado mais pelo viés da afetividade amorosa, da cooperação voluntária e da solidária, e não ser resumido ao contrato econômico. A poligamia consensual, válida para homens e mulheres) não fere a ordem social vigente. Homens com mais de uma companheira e mulheres com mais de um companheiro é uma realidade. Por que a afetividade tem que ser criminalizada?

Quem não tem condições de amar mais de uma pessoa e nem de as atender aos mesmo tempo, na forma de atenção, afetividade e companheirismo é só não se habilitar. Não se lance a uma tarefa que não pode realizar. Perverso é querer manter a monogamia através de um braço repressor, principalmente em um ambiente social onde a exclusividade sexual já foi relativizada ou situada no âmbito privado das opções dos casais.

O que é conversado e acertado é digno e moralmente válido. Não é enganação, não é hipocrisia, não é fingimento e muito menos promiscuidade.

O CPB devia se focar em coisas mais da órbita pública, que tange a segurança, a proteção e a coibição da violência. Por exemplo, relativizar a proporcionalidade na legitima defesa quando se tratar de proteger o lar e a família. O cidadão de bem não pode ser colocado no mesmo patamar que um facínora que invade sua casa com o objetivo inequívoco de cometer violência contra as pessoas lá residentes e cometer danos aos seus bens. Nesses casos a legitima defesa não pode ficar condicionada à proporcionalidade dos meios.

No novo CPB deve ser garantido ao cidadão a legítima defesa por qualquer meio e em qualquer quantidade. É isso que deve tratar o CPB, é contra essa gente perversa e criminosa que o CPB deve se posicionar, e não contra as possibilidades do amor e da afetividade. O amor múltiplo é só amor.

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