Aviso: As opiniões que serão expostas tratam exclusivamente do exame de ordem, não é um questionamento geral sobre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nem tende a servir de ataque a essa entidade que, em muito, tem contribuído para o país.
Por partes:
1- a Constituição Federal (CF) de 1988:
CF, art. 5º,XIII: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (negrito nosso).
Obs.: Pertinente também pensar o conteúdo dos incisos I e II do mesmo artigo;
CF, art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre (...) XVI: organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;
CF, art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre (...) XVI: organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;
CF, art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (negrito nosso)
CF, art. 209: O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. (negrito nosso)
2 - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96:
LDB, Capítulo IV, art. 43º. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; (negrito nosso)
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
Art. 48º. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular. (negrito nosso)
3 – Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Lei nº 8.906/94, art. 8º, §1º:
O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB. (negrito nosso)
Os noticiários foram tomados pela reprovação em massa no Exame de Ordem da OAB. Os representantes da OAB deram um tom escatológico. Apresentaram diversas causas: ensino ruim, o número de cursos, falta de interesse dos estudantes, pacto de mediocridade entre professores e faculdades, onde um finge que ensina e outro finge que paga. Enfim, o mundo todo conspira e a verdade reside na manutenção do exame de ordem como condição do exercício profissional da advocacia.
É salutar a preocupação da OAB com a qualidade do ensino, assim como é salutar a preocupação de qualquer cidadão ou entidade da sociedade civil sobre a mesma questão. A educação é uma questão pública e merece atenção de todos. Tudo bem. A posição da OAB começa a ficar questionável é quando começa apontar culpados ou causas sem uma devida investigação. Onde tudo de ruim é exógeno e nunca endógeno. São generalizações perigosas e desrespeitosas.
O que vale do ponto de vista legalidade nesses diversos artigos, estatutos etc.?
Vejamos: a competência privativa não parece cabível para o que é praticado pelo Conselho da OAB e com seus Provimentos.
“diferenciação entre a competência privativa e a exclusiva diz respeito à possibilidade da União de conferir, por meio de Lei Complementar, a possibilidade de regulamentação de assuntos específicos e a competência exclusiva não confere tal possibilidade” (Rodrigo Rodrigues).
A LDB é uma lei complementar e o Estatuto da Advocacia, até onde sei, é uma lei ordinária. É possível uma lei ordinária se sobrepor a uma Lei Complementar? Cabe um Provimento da OAB se sobrepor a Lei Complementar? Tem a OAB competência para legislar em tais matérias, a partir da possibilidade estabelecida pela Competência Privativa? Onde fica a constitucionalidade dessa exigência?
Não é chagada a hora dos órgãos da justiça se pronunciarem oficialmente sobre tal questão?
A OAB determinar quem pode ou não exercer uma profissão fere a soberania do Estado. Pois a entidade passa a ter competência que, modernamente, fazem parte do monopólio dos meios de gestão do Estado. Do mesmo modo não compete a OAB autorização e avaliação de qualidade. Isso é competência do Pode Público. A OAB não é Poder Público. O Estado no Brasil é federativo, republicano e de direito ou é Corporativo?
Ora, o condicionante ao exercício de qualquer profissão no Brasil, conforme o previsto na CF/88 é: “qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Onde e quando um exame é qualificação profissional? Qual lei pode estabelecer? Lei complementar. O que diz a lei complementar (LDB)? Diz: “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais.” (art.43) Isso quer dizer que quem torna apto para o exercício da profissão é entidade de ensino superior. Cuja prova da sua formação é o diploma (art. 48). O argumento da OAB-nacional para justificar o impedimento do exercício profissional de quem não passou no exame de ordem está pousado em uma metamorfose esdrúxula, onde o exame de ordem é a própria qualificação.
A grande quantidade de cursos de direito seria uma das causas de tal índice de reprovação. Desde quando abrir uma faculdade e oferecer ensino superior é crime é ruim para a sociedade? A questão não é só quantitativa. A preocupação deve prioritariamente ser dirigida para as condições de funcionamento, qualidade de ensino oferecido (recursos didáticos/pedagógicos e corpo docente) e a motivação/interesse do aluno (“ninguém ensina nada a alguém quando esse alguém não quer aprender”). Será que um curso de nível superior em Direito só produz resultados positivos para a sociedade se transformar todos os alunos em advogados ou juízes e promotores? Apostar nisso é atestado de estreiteza sobre o que educação e ensino superior. Foi inútil Karl Marx, E. Durkheim, Max Weber etc. terem cursado Direito? E o qualificativo para a própria história de vida e desenvolvimento pessoal?
Jogar todos os profissionais da educação no limbo da mediocridade é muito injusto e arbitrário. Receber baixos salários não significa que o profissional não aja com responsabilidade e compromisso, nem todos tem essa visão instrumental mercenária. É muito desrespeito.
A OAB deveria fazer o dever de casa e efetivar uma pesquisa para saber quantos advogados lecionam nesses cursos. Saber qual o treinamento ou formação didática/pedagógica esse profissional recebeu para exercer a docência. Só assim poderia fazer afirmações mais fundamentadas sobre os profissionais da educação.
Educação, como já e de conhecimento da grande maioria, é um processo que envolve diversos sujeitos, com múltiplas etapas, onde diversos fatores colaboram para seu sucesso ou insucesso.
Qualquer pretensão séria de avaliação deve acompanhar os diversos momentos desse processo, não pode se fixar só no momento final nem se pautar em um único instrumento de avaliativo.
É preciso deixar claro que a OAB não pode exercer as funções que compete ao Ministério da Educação. Cabe a OAB e toda a sociedade cobrar atuação efetividade desse ministério.
Prova.
A prova, dependendo do conteúdo e da modalidade das questões, pode informar bem pouco sobre os saberes, competências e habilidades do bacharel. Uma questão de múltipla escolha pode estar restrita a verificar o que o aluno reteve (ou só o que decorou). Uma questão discursiva pode servir para ver a capacidade de análise, ou capacidade de crítica, ou verificar o nível de compreensão, ou verificar se aluno sabe fazer uma aplicação de conceito etc. Enfim, tudo isso deve ser levando em consideração e não existe prova imune a falhas, por mais famoso que seja o que elaborou. Será que a FGV já atingiu a perfeição? Que prova é essa?
Muitos advogados já se pronunciaram dizendo que não passariam nessa prova atual. A OAB, contraditoriamente ao seu argumento de zelar pela qualidade, lançou o Provimento 136/2009 que isenta do exame de ordem personas oriundas do ministério público e da magistratura. Não caberia isonomia aí?
Defender a sociedade. No meio da defesa da manutenção do exame de ordem como definidor de quem pode ou não advogar está um discurso moralizador, que pouco revela e que muito oculta. Esse exame é para avaliar conhecimento, capacidades e habilidades ou é tão somente para eliminar as pessoas do exercício da profissão?
Todos os argumentos moralizadores da OAB em nome da defesa da sociedade ocultam questões sérias: a) até onde a aprovação no exame, por si só, é garantia de um exercício profissional ético e competente? Se o objetivo é eliminar, não seria mais transparente pôr no edital o número de vagas? Ora, se não é concurso, como querer limitar o ingresso na profissão? Seria uma reserva de mercado? Qual a sustentação moral e legal de tal reserva? Quais os resultados práticos da ação fiscalizadora da OAB quanto ao exercício da profissão?
Para finalizar...
Tem um ponto esquecido nessa discussão, mas que também serve para alimentar tudo isso: o cidadão está condicionado a ter sua defesa efetivada através de representante, raras são as exceções. Isto é, na maioria dos casos, você não pode fazer sua própria defesa. Algo que tem um gosto medievo.
Se a preocupação é a qualidade de ensino e não reserva de mercado, que a OAB exija do MEC que proíba turmas de Direito com mais de 50 alunos. Exigir do MEC, junto com outras entidades da sociedade civil, avaliações sérias ao longo curso para que não sejam diplomados os que ainda não estão preparados. Tanto nas faculdades públicas como nas faculdades privadas.
Além disso, a OAB não deveria contribuir com discurso desqualificador e pejorativo lançado diariamente contra os professores, mas ser solidária e propositiva para a melhoria profissional dessa categoria, tanto no aspecto salarial como no aperfeiçoamento da capacitação profissional. Chega de culpar professores por tudo. Muito cômodo culpar e exigir do lado mais fraco dessa cadeia.
Se o exame não dá lucro para entidade... é preciso rever a quantidade de exames por ano. Os administradores financeiros dessa entidade precisam saber que está em vigor uma economia capitalista. Pois não é lógico realizar uma tarefa não-lucrativa mais de uma vez por ano. Não é arriscado para saúde financeira da entidade?
A questão é: como são gastos os 66 milhões arrecadados por ano? Não é cabível colocar mais transparência no dinheiro desse exame?
Maior retorno e garantia para sociedade seria fiscalizar efetivamente o exercício da profissão, tirando da atividade os que lesam e usurpam seus clientes. Coibir os indivíduos que “operam” exclusivamente para obliterar realização da justiça; promover e exigir a capacitação continuada, visando atualização e aperfeiçoamento profissional seria efetivamente primar pela qualidade. Tem um número enorme de advogados com a formação acadêmica estacionada e desatualizados sobre diversos temas.
Alimentar o intelecto é algo que nunca termina. Deve ser uma preocupação da OAB a defesa da autoria intelectual das peças, tem um monte de “advogados com exame de ordem” só copiando e colando o trabalho alheio.
Culpar os procedimentos alheios sem rever seus próprios procedimentos não é resposta e nem a saída para questões postas pelo exame de ordem. A OAB esqueceu aquela sacada do velho barbudo “do que sólido se dissolve no ar”.
Não sou contra a existência do exame da ordem. Sou contra a sua atual finalidade. Sou contra o condicionamento do exercício da profissão à aprovação no exame. Primeiro, porque não me parece legal (inconstitucional). Segundo, não me parece justo (fere a isonomia e priva o cidadão de trabalho pelo seu sustento). Até parece que a competição do mercado não elimina um monte de pretendentes ao ofício. O que não é mais suportável é ver um bacharel ser tratado como Journeyman.
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