Por hermenêutica fuxciana entendemos toda e qualquer hermenêutica que representa visão limitada, sem caráter crítico, sem dimensão reflexiva, sem percepção de conjunto/sistêmica e que estabelece a realidade jurídica como uma realidade desvinculada da história, da dinâmica social, das configurações culturais e políticas. No entanto, ressalta-se, que tal desvinculação não é ato de ignorância, mas postura reacionária anti-republicana e antidemocrática, remetendo o fazer jurídico ao descrédito social. Cujo estilo é uma erudição fanfarrona reacionária.
O que será exposto não é fruto de uma visão positivista ingênua do Estado e do Ordenamento Jurídico. Portanto, a falta de congruência e coerência aqui criticada não é fruto de uma visão que pensa o ordenamento jurídico como totalmente sem contradições, sem lacunas, o que vai sempre existir diante do caráter dinâmico da sociedade e da impossibilidade de qualquer marco regulatório cobrir todas as necessidades da vida social. Ao contrário disso, trata-se de uma visão que reconhece as contradições, os consensos e paradoxos como inerentes ao fenômeno social como um todo, assim como as implicações disso sobre a sociedade política e seus diversos órgãos. Por outro lado, trata-se de uma visão que reivindica o respeito às diferenças (não às desigualdades) e à pluralidade como componente da vida societal, mas de forma comprometida com princípios cruciais para a existência da vida democrática, a exemplo da Isonomia.
As últimas sessões do STF nos dão um bom material para analisar a composição do Estado brasileiro que, através de múltiplas reformas parciais e circunstâncias, presas às contingências dos casuísmos corporativos, ganha uma deformação preocupante. Pois está desfigurado, carente de mínima coerência interna e de funcionalidade eficaz. Pode-se, em particular, destacar o ordenamento jurídico (entendido enquanto sistema e ordem jurídica, mas sem assumir integralmente a visão de Bobbio) para sinalizar esse problema.
As últimas decisões tomadas no STF tratavam de temas que, originariamente, deveriam ter recebido uma forma legislativa pelos parlamentares. Há tempos o judiciário vem legislando a passos largos e assumindo a condição de lócus suprema da vontade política. Isso já é por demais questionáveis, pois a idéia mesma de estado de direito não remete a tal coisa. Porém, o que tem ferido mais a necessidade de uma configuração estatal de valores congruentes são as sucessivas decisões, em que pese a produção do direito a partir da jurisprudência, esse exercício tem produzido muito mais uma razão do ser do que uma razão de ser. Tamanha a força que as questões isoladamente ganham força, sem uma comunicação direta com todos os outros requisitos postos pelo regime democrático e que não estão restritos aos códigos e demais diplomas jurídicos, mas que compõe legitimamente a ordem social global que sustenta a sociedade política, que dá vida ao próprio ordenamento jurídico.
Tomando-se os efeitos desses atos ao campo endógeno. Algumas decisões do STF não são sucedidas de reavaliação da validade e da congruência de algumas normas já existentes, ficando o problema a mercê de iniciativas isoladas de questionar a constitucionalidade e/ou legalidade de certas normas. Nota-se não só uma lacuna procedimentos que atente para o ordenamento e suas ligações necessárias e constituintes com o tipo de Estado como também a produção de anacronismos legais que vigoram.
Para exemplificar melhor a questão a Família será tomada como referência. Quando o STF definiu a procedência da adoção por casais do mesmo sexo, quando reconheceu a validade da união civil de pessoas do mesmo sexo, retirou o sexo como referência única para reconhecer um casal a partir do momento que aceitou a noção de gênero como elemento de identificação e classificação. Com isso foi rompida uma única forma de ser casal como legal e o que era legítimo também passou a ser legal. Não cabe, dessa ótica, pensar em casais pela via do normal e anormal, puro e impuro.
Em consonância que esse novo marco, pode-se dizer que a família também é concebida para além do marco tradicional de pais e filhos e, mais especificamente, sobre a forma: pai (esposo, homem), mãe (esposa, mulher) e filhos (meninas e meninos), portanto, a forma MONOGÂMICA persiste como um elemento anacrônico no interior da própria ordem jurídica. Qual seria o fundamento laico e civil, diante do quadro geral dos marcos regulatórios atuais, para mantermos como legal só as uniões monogâmicas? Por que e em que medita é legítimo criminalizar as uniões POLIGÂMICAS? Quem pratica a POLIGAMIA É IMPURO, É ANORMAL? Poligamia não é sinônimo de promiscuidade. Em nome da isonomia, da diversidade e da capacidade auto-regulatória dos indivíduos a poligamia tem que ser admitida como uma possibilidade de união marital e familiar. Por que não a Poligamia? Qual seria o prejuízo? Nenhum! A prole está protegida por diversas leis. Não existe mais o filho ilegítimo e todos os filhos possuem direitos iguais. Existe e funciona muito bem a pensão alimentícia. A lei do concubinato garante direitos às uniões estáveis etc. Não é um direito das pessoas terem uma ou várias esposas?, ter um ou vários maridos? Se há consenso entre eles, não existe motivo para criminalizar. A poligamia não pode ser mais criminalizada diante de tais decisões jurídicas.
Sociedade que todas as relações ficam tuteladas e regradas pelo Estado está mais vulnerável ao totalitarismo. O Estado é uma e não a única instituição social. A família é instituição igualmente fundamental para a vida social e não pode perder sua capacidade auto-reguladora e sua autonomia, pois isso fere a própria autonomia do indivíduo e sua proteção contra das formas estatizadas de poder. É nítido que a liberdade corre riscos. A marca política da Antiguidade Clássica é que vida privada e coisa pública merecem tratamentos diferenciados.
É motivo de preocupação se essas medidas estatais representarem uma tendência de controle sobre a afetividade, minando o espaço da vida privada. Quando o Estado entra muito na vida afetiva dos indivíduos a liberdade está morrendo e os sentimentos entregues ao horror. Principalmente em um tempo em que o Estado tende a flexibilizar as relações de trabalho e econômicas e incentiva a livre negociação. Será que cabe ao Estado dizer sobre o Amor?
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