Não farei uma extensa exposição sobre como a violência foi pensada e discutida por diversos autores. Faço apenas uma breve referência ao trabalho de Hannah Arendt, que de forma sistemática distingue a violência de vigor, força e poder. Sobre o conceito de poder a autora diverge da concepção de Weber, mas isso é outra discussão. As obras Da Violência, Entre o Passado e o Futuro, A Condição Humana e Origens do Totalitarismo reúnem a posição e a reflexão de Arendt sobre a violência. Vale a pena conferir.
Arendt focou pontos significativos sobre a violência: sua instrumentalidade e certa racionalidade. Assim, a filósofa judia, desnaturalizou a violência, retirando-a da condição de fenômeno meramente instintivo irracional.
A violência nas cidades e em todos os recantos habitados assume formas cada vez mais sofisticadas, além de "chocar" pela desumanidade. Mescla-se ao espanto a busca trêmula por entendimento. Os diversos segmentos tentam explicar os motivos que motivaram os autores desses atos de crueldade. Porém, como ensinou Weber, sociólogo alemão, é preciso compreender para depois explicar as causas. Eis o problema. Como conseguir isso diante de tal fenômeno?
O movimento racional que deu forma à Modernidade, com seu proselitismo, cumpriu bem a tarefa de sedimentar a crença de que uma vida social ordenada racionalmente se tornaria mais previsível. Sobretudo a crença de uma vida pacificada. Pacificada porque era racional.
Ainda na Modernidade o mundo comprovou que a racionalidade pode ser instrumento para produção de atrocidades em massa, horror sem cerimônia e violência explosiva.
As análises e explicações contemporâneas tendem a ver o fenômeno da violência a partir de atos isolados e descontextualizados. Nisso há uma recusa de formular a seguinte questão: a sociedade adoeceu? Cadê o controle e a previsibilidade prometida pela racionalidade? Onde foi parar a idade das luzes?
O animal político, dos gregos antigos, era a prova do salto de qualidade do indivíduo: sua humanização. O simbolismo e instrumento dessa humanização apoiavam-se nas decisões coletivas, na soberania dessas decisões. O sentido e o valor das coisas públicas e de um bem coletivo desarmavam a individualidade predatória de interesses fechados. Foi assim que o outro passou a ser um valor, sustentado pelos direitos de igualdade, liberdade de viver a sua maneira e o contraditório. O enfraquecimento da politika parece apontar para uma crise civilizatória e ineficácia dos processos de socialização e endoculturação. Esses processos não estariam conseguindo promover valores que viabilizem uma convivência ordenada, livre da ordem suprema do imprevisível, da insegurança e do medo. Onde o ratio está comprometido e apreendido a serviço de uma sociedade pacificada.
Diante disso, não há como não pensar na educação, sua capacidade de promover humanização.
O massacre e horror ocorridos em Realengo, Rio de Janeiro, choca pelo tipo de vítima, pela concentração e pela falta de explicação plausível. A instrumentalidade da violência deixa sempre a vaga para a explicação, justificação. O autor daquele horror talvez quisesse construir sua explicação través de uma carta, onde forjava um pertencimento imaginário: o islã. Nítida busca de integração, coisa que lhe faltou em grande parte de sua vida, conforme foi informada sua biografia pela imprensa.
Vários especialistas da psiquiatria e da psicologia o diagnosticaram, o autor do massacre de Realengo, como indivíduo portador de distúrbio psíquico etc. Porém, o fenômeno da violência não pode ser explicado a partir de um único fator. Por outro lado, as patologias mentais não lideram a lista de causa dos crimes e, em particular, dos homicídios. Centenas de crianças são mortas todos os meses nos diversos estados brasileiros. Milhares de pessoas são barbaramente executadas todos os homens e não são vítimas de uma pessoa doente mental. Chacinas e horror acontecem de forma difusa a cada instante, em todas as regiões do país e em todas as classes sociais, nos mais diversos ambientes e lugares. Realengo, infelizmente, é só parte de um grande massacre.
Há pouco tempo uma criança foi morta pela a amante do pai, não muito tempo atrás outra criança foi lançada do apartamento, tendo como suspeita o pai e a madrasta. O que dizer daquele garoto indefeso encurralado em um muro por policiais, que o alvejaram friamente?
Fica nítido o elo da crise política com a violência quando observamos o oportunismo dos políticos que, buscando promoção eleitoral, tentam vender uma ilusão através de mais um plebiscito. O pior de tudo, tentando COISIFICAR a violência responsabilizando a arma-de-fogo.
É arma ou a pessoa que mata? Quem quer matar vai matar com ou sem arma de fogo. O problema da arma de fogo não está no sua fabricação, mas na sua utilização e distribuição.
O criminoso vai conseguir regularmente ou não, pois é um criminoso. O cidadão comum não tem acesso fácil a armas. O maior problema é na liberação desenfreada de armas para segurança particular, o que faz o controle e fiscalização ficarem impossíveis. Esse volume enorme de seguranças particulares armados tem sido uma das portas para o armamento migrarem para fins trágicos. Uma das armas usadas pelo assassino de Realengo foi passada por um segurança. O país não fabrica, o cidadão não pode comprar mas as empresas e seus funcionários vão ter amplo a cesso e o desvio vai continuar.
Recentemente, em outubro de 2005, foi realizado um Referendo sobre o Art. 35 do Estatuto do Desarmamento, a população disse NÃO a tal modelo de proibição. Pois a população, mais do que ninguém, sabe o que é violência e que a memsa não se restringe a existência de arma-de-fogo.
Essa tentativa promocional eleitoreira do Senado soa como uma arrogância elitista, que dizer ao povo que ele não sabe o que quer e que votou errado na última consulta que lhe foi feita. O gasto dessa consulta sobre algo que a população já decidiu, por maioria absoluta, é descabida. Soa como a revelação da própria miséria política que vivemos.
Esse plebiscito é um engodo irresponsável. A proibição total do porte e fabricação de armas no Brasil pode ter consequências mais graves. Uma consequência imediata vai ser o aquecimento do tráfico de armas que, visando mais lucro, colocará armas de maior calibre em circulação no país, e um número de oferta muito maior. O armamento sair totalmente de controle.
Essa medida não vai fazer você ter mais segurança nas ruas, nos bairros e nem produzir uma educação para a paz. Esse ato seco e vazio que o Senado quer efetivar, só serve para promover os oportunistas de plantão que, ao contrário do povo, gozam de enormes privilégios em Brasília.
Não ao engodo casuísta e politiqueiro! Paz!
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