segunda-feira, janeiro 03, 2011

VOTO NÃO OBRIGATÓRIO E “CIDADANIA” PASSIVA - (Primeira Parte)


(1)
Uma questão que vem ganhando atenção é a obrigatoriedade do voto. Potencializada pelo descrédito dos parlamentares, a não obrigatoriedade do voto já conta com campanha de organizações não-governamentais, a exemplo da “política-democracia”, sediada em Recife.
Argumentos existem vários, mas todos, em comum, ainda são poucos consistentes, principalmente se questionados sobre em que melhorias e vantagens essa medida traria para a vida política brasileira diante do atual quadro. Entre todos os argumentos que ouvi até agora o que parece ser mais consistente é o fato de que em todas as enquetes recentes a população, em sua maioria, se manifestou contrária ao voto obrigatório. Isso, sim, é um bom argumento, pois é a vontade da maioria, ou melhor, a soberana decisão popular.
Na pesquisa “cidadania, participação e instituições políticas: o que pensa o brasileiro” realizada pela FGV-RJ(CPDOC) o número de eleitores pouco interessado (44%) e nada interessado por política (32%) atinge 76%. Isto mostra a disjunção perigosa entre a sociedade civil e a sociedade política. A fundação da política está na própria força que foi adquirindo a vida societal em termos de complexidade. A política é um instrumento de auxílio à sustentação ao precário quadro da vida. Ela mesma também precária, mas de importância significativa.
 (2)
Repetimos: a única coisa consistente até agora contra o voto obrigatório que tomei conhecimento é a vontade popular. Dizer que a não obrigatoriedade evita a compra de voto é pura suposição. Nada garante que o indivíduo não seja convidado a comparecer à urna em troca de um dinheirinho, já que não tem mesmo nada a perder (o dever legal). Um outro argumento é o que fala de liberdade: “Estamos numa Democracia, não posso ser obrigado a votar”. A democracia nesse argumento aparece atrelada a uma liberdade totalmente individualizada, em nada ela se remete a uma cultura cívica, a uma liberdade política. Liberdade e a participação andam juntas. A grande realização pessoal é a realização enquanto cidadão, e ser cidadão implicar estar atuando no interior da polis. Isso é um dos legados da Grécia Antiga, particularmente de Atenas. A liberdade política supõe responsabilidade.
Essa responsabilidade aparece nitidamente no discurso fúnebre de Péricles (atribuído a ele por Tucídes): “Aquele que não se interessa pela política não deve ser considerado um cidadão pacato, mas um cidadão inútil”. A cidadania requer elementos ativos, ou inexiste o cidadão.  A liberdade política não é algo casual, mas algo que se efetiva dentro de uma lógica. A liberdade vincula-se à responsabilidade sobre a condução dos destinos da polis e sobre seus bens (coisas públicas). Participar é a efetivação e manutenção da condição de cidadão.
 (3)
Não nos parece muito cabível conceber a ausência de obrigações como essência de uma  vida política democrática. Política não se efetiva sem compromisso sobre o que se decide, principalmente quando o que se decide envolve interesses de ordem pública.
A não obrigatoriedade do voto traria de imediato qual benefício? Traria o benefício de não legitimar os corruptos? Sem a obrigatoriedade eles não iriam se eleger? As eleições sem coro seria um avanço para que direção? Se o problema são os políticos corruptos, por que não elegemos pessoas de bem? Por que as pessoas de bem não se candidatam e não ocupam tais postos?  O que querem mesmo os defensores da não obrigatoriedade do voto? Querem tornar o Brasil mais democrático permitindo que esses mesmos políticos permaneçam ocupando esses postos com menor peso de compromisso, vínculo e identidade com o eleitorado? Será que o problema maior na política brasileira é a obrigatoriedade do voto?
 (Originalmente publicado em 09/02/2007. http://ethospolitico.zip.net/arch2007-02-01_2007-02-15.html )

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