No Maranhão, lenda, crendice e realidade são tratados no mesmo tom, nível de abstração e emotividade. Pai Francisco e Lênin são as mesmas coisas no auto do bumba-meu-boi. Boi ressuscita mesmo com a língua devorada. Não por menos, o uso da metáfora.
Nos últimos anos o conceito de mudança foi naturalizado, não só isso, mudança virou sinônimo de melhora.
Não precisamos só de mudança e alternância, precisamos qualificar todo o processo, principalmente, em um momento em que a insatisfação do povo com os políticos é intensificada por sucessivas denúncias de corrupção e roubo de recursos públicos.
É certo que, no Maranhão, o mínimo de institucionalidade necessária ao poder público e uma ordem significativamente política nunca aconteceram. Mesmo após a Revolução de 30 o mando no Maranhão não se desfez de sua forma senhorial, permaneceu agudamente enquanto dominação tradicional, personificada e voltada aos interesses privados. Caso emblemático do pós-30 é mandão Vitorino Freire.
O ethos mandonista tem raízes profundas e a nossa cultura política é densamente cortada por arquétipos desse tipo de exercício de poder. O Brasil não é um exemplo de efetivação significativa de republicanismo, de uma virtude cívica e o Maranhão, o último a ser incorporado ao Brasil Independente, nunca quis ser nada de república, uma recusa sistemática e intensa. Todo o aparato estatal/legal serviu e serve ao reforço do mandonismo. O poder tradicional serve-se do aparato institucionalizado, que nada mais é que alegoria de um Estado da razão e de Direito. Estado de Direito é só um tema para o deleite discursivo, exercício de um intelectualismo enciclopédico e inútil. Na prática a servidão é sincronizada em todos os poderes, em termos hegemônicos, não em termos de montante de indivíduos presentes nesses espaços.
A tomada de poder não é, em si, mudança qualitativa para melhor. A tomada de poder é só tomada de poder. Isso parece tão óbvio. Porém, não é óbvio. A forma como o poder é tomado pode condicionar profundamente o exercício efetivo do poder. Não é com qualquer forma de exercício de poder ("seja qual for o fundamento") que constrói-se uma mudança que signifique mudança para melhor ou superação do status persistente. Quem promete mudanças positivas focado exclusivamente no processo eleitoral e na chefia do governo está propagando uma falsa promessa. Nada mais enganoso que isso.
O mandonismo não será superado apenas com alternância, ou qualquer mudança. Enquanto ethos o mandonismo são práticas cotidianas que perpetuam uma enorme verticalidade nas relações de mando, naturalizando uma seletividade no reconhecimento do outro como um igual em direitos. O mandonismo só será enfraquecido como processo social amplo e sustentado enquanto ato Político, capaz de estabelecer uma nova hegemonia (na acepção de Gramisc) compreendendo ideal e prática de poder.
Isso dito, cabe resumir que o mandonismo não se supera com uma caneta, nem com uma vitória eleitoral. Além disso, no âmbito do debate político maranhense amontoam-se expressões e "conceitos" vagos e não operativos sobre o tipo de exercício de dominação preponderante no Maranhão. O coronelismo quando existiu, até 30 do século XX, nunca se resumiu a um único "coronel". O "coronel" Justino sozinho não era o coronelismo, sendo o próprio coronelismo apenas umas das várias versões mandonistas historicamente registradas. O desconhecer o que se combate já é uma forma de derrota.
Agora é só aguardar os dados que a realidade vomita entre um instante e outro e compararmos. Só assim, talvez, alguns consigam ver até aonde vai o vigor do mandonismo. Em situação recente o poder foi ocupado por um outro grupo e em nada o mandonismo foi abalado, muito pelo contrário, manifestou-se de uma forma mais tosca e ridícula.
O Maranhão, do ponto de vista do pragmatismo eleitoral, não tem nada de excepcional em relação ao resto do Brasil e vida partidária brasileira, onde coligações é só uma questão numérica competitiva. Tudo cabe em prol do ganho.
Mas, ao mesmo tempo, o processo político em curso no Maranhão tem suas singularidades, por força do localismo principalmente. O viés provinciano da disputa guarda elementos singulares e permite dizer que o movimento em curso é um ajuste intra-oligárquico. Tenho dito isso desde 2002, em trabalhos apresentados em diversos eventos. O efeito vai ser de ajuste, onde as diversas oligarquias municipais, sindicais e partidárias arranjarão seus assentos, em prol da manutenção dos seus privilégios.
O que cabe aos autodenominados de esquerda sonharem nesse contexto? Difícil responder. Em termos mais ideológicos e utópicos poderiam reivindicar radicalizar a democracia. Do ponto de vista pragmático é possível assumir a concretização de melhores índices de qualidade de vida e a garantia do funcionamento efetivo, mínimo, dos serviços essenciais. O povo certamente irá agradecer até com devoção.
É possível radicalizar democracia por uma via conservadora reacionária? Bem, se isso acontecer será a primeira vez. Não acredito nessa possibilidade. Isso seria milagre e não processo político. Sobre isso, Maquiavel é referência, particularmente quando sinaliza o espaço laico da política e os campos distintos da moral religiosa e política.
É possível conseguir melhorias materiais pela via conservadora reacionária? Sim. Hitler, Stalin e tantos outros chefes de governos conservadores e autoritários. Entre nós é algo comum. O próprio modelo adotado nos últimos 20 anos serve de prova. A configuração das ações de governo no Brasil atual é materialização desse caminho. São acréscimos materiais. Isto é, mais consumidores surgiram, mas sem serem mais cidadãos. O créscimo material pela via conservadora reacionária é manutenção e não a ruptura com o mandonismo.
Cabe, no mínimo da honestidade, assumir isso, formulando um discurso mais sincero e menos demagógico. Isso já seria um ganho e um avanço político nesse cenário político extremamente miserável (de um lado a outro). Falta no Maranhão um debate público, isto é, debate sobre coisas públicas. O personalismo e a predominância de questões privadas cansam qualquer um e, principalmente, o cidadão que ver seus direitos diariamente negados na saúde, na educação, no transporte, na segurança etc.
O ajuste intra-oligárquico está assumindo a forma de diluição conservadora. Diluição conservadora não é o conservadorismo se diluindo, não é isso. Trata-se da situação em que o elemento oposto ao conservadorismo é diluído no conservadorismo, como se fosse um ajuste de tom, mas na direção da matiz hegemônica.
O ano de 2014 ainda não será o ano do triunfo dos diluídos, mesmo que ocorra uma vitória eleitoral. Dependendo do cenário nacional e internacional, uma vitória eleitoral dos diluídos já em 2014 pode resultar em um grande estrago político para eles. Aí... vai ser não o início do fim de uma supremacia mandonista, mas o início de mais uma revitalização do grupo mandonista que controla o estado ao longo de quase 50 anos. Será a 3ª vez que se revitalizará, mesmo já fossilizado. O mínimo a esperar é que isso não ocorra. Porém, que não nos iludamos tanto. Nada será tão novo que o velho.